No julgamento de Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) julgou inconstitucional o entendimento do Tribunal Superior do Trabalho (TST) que mantém a validade de direitos estabelecidos em cláusulas coletivas com prazo já expirado (Princípio da Ultratividade) até que seja firmado novo acordo ou nova convenção coletiva.
A decisão foi tomada na sessão encerrada em 27/5/2002 e publicada na data de ontem, no julgamento ADPF 323, ajuizada pela Confederação Nacional dos Estabelecimentos de Ensino (Confenen).
O tema envolve a interpretação jurisprudencial conferida pelo TST ao artigo 114, parágrafo 2º, da Constituição Federal, consubstanciada na nova redação da Súmula nº 277 atribuída pela Resolução 185, de 27/09/2012:
“CONVENÇÃO COLETIVA DE TRABALHO OU ACORDO COLETIVO DE TRABALHO. EFICÁCIA. ULTRATIVIDADE (redação alterada na sessão do Tribunal Pleno realizada em 14.09.2012) – Res. 185/2012, DEJT divulgado em 25, 26 e 27.09.2012 As cláusulas normativas dos acordos coletivos ou convenções coletivas integram os contratos individuais de trabalho e somente poderão ser modificadas ou suprimidas mediante negociação coletiva de trabalho”.
Portanto, pela redação de 27/09/2012, o TST entendia que as cláusulas normativas restam incorporadas ao contrato de trabalho individual até que novo acordo ou convenção coletiva seja firmado (Princípio da ultratividade da norma coletiva), fundamentando-se em suposta reintrodução de tal Princípio pela Emenda Constitucional nº 45, de 31/12/2004, pois a inserção da palavra “anteriormente” no artigo 114, parágrafo 2º, da Constituição Federal, seria a referida autorização do legislador. Vejamos:
Art. 114, § 2º, CF (versão atual): “Recusando-se qualquer das partes à negociação coletiva ou à arbitragem, é facultado às mesmas, de comum acordo, ajuizar dissídio coletivo de natureza econômica, podendo a Justiça do Trabalho decidir o conflito, respeitadas as disposições mínimas legais de proteção ao trabalho, bem como as convencionadas anteriormente”.
Art. 114, § 2º, CF (versão anterior à Ementa Constitucional 45/2004): “Recusando-se qualquer das partes à negociação ou à arbitragem, é facultado aos respectivos sindicatos ajuizar dissídio coletivo, podendo a Justiça do Trabalho estabelecer normas e condições, respeitadas as disposições convencionais e legais mínimas de proteção ao trabalho”.
No julgamento da ADPF, o STF entendeu que a Súmula do TST contraria os preceitos constitucionais da separação dos Poderes (artigo 2º da Constituição Federal) e da legalidade (artigo 5º) ao estabelecer que as cláusulas previstas em convenções ou acordos coletivos integram os contratos individuais de trabalho, mesmo depois de expirada sua validade.
O STF já havia concedido medida liminar em 14/10/2016, suspendendo os efeitos da Súmula do TST, fundamentando que o Princípio da ultratividade como instrumento de manutenção de uma certa ordem para o suposto vácuo existente entre o antigo e o novo instrumento negocial, trata-se de lógica voltada para beneficiar apenas os trabalhadores, sendo que se acordos e convenções coletivas são firmados após amplas negociações e mútuas concessões (Relator Ministro Gilmar Mendes).
O seu voto, o Ministro Relator ainda lembrou que a Lei 8.542/1992 estabelecia que as cláusulas integravam os contratos individuais de trabalho e somente poderiam ser reduzidas ou suprimidas por norma coletiva posterior. Na rediscussão da matéria, por meio da Lei 10.192/2001, o Congresso Nacional retirou o Princípio da ultratividade do ordenamento jurídico nacional, declarando que o TST “ressuscitou Princípio que somente deveria voltar a existir por legislação específica”, afastando o debate público, os trâmites e as garantias típicas do processo legislativo.
A seu ver, a Súmula do TST também ofende o Princípio da segurança jurídica, uma vez que, segundo o artigo 613, inciso II, da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), acordos e convenções coletivas devem conter, obrigatoriamente, o seu prazo de vigência, que não poderá ser superior a dois anos. Para tornar a limitação ainda mais explícita, a Reforma Trabalhista, além de não permitir a duração superior a dois anos, vedou a ultratividade.
Houve divergência do Ministro Edson Fachin, avaliando que as normas não devem ser consideradas de forma isolada, mas em um contexto legislativo, e o texto constitucional garante ao trabalhador brasileiro direitos fundamentais sociais blindados contra o retrocesso. A Ministra Rosa Weber acompanhou a divergência e o Ministro Ricardo Lewandowski também acompanhou essa corrente, sob o fundamento de que a interpretação do TST resguarda o trabalhador de se ver na iminência de perder direitos. Para ele, permitir a supressão de direitos anteriormente convencionados em intervalo de vazio normativo representa verdadeiro retrocesso na condição social do trabalhador.